Luíza Felix dos Santos é ex moradora da localidade Angico Branco, uma das mais atingidas pelo rompimento da Barragem Algodões I. Hoje está morando na cidade de Cocal, numa casa alugada pela prefeitura através de convênio com o Governo do Estado.
Dona de um rosto sereno e cabelos que não escondem a idade de 68 anos, Luíza salvou-se, mas o marido, João, que havia voltado para pegar alguns pertences, não retornou a tempo e foi vítima da força das águas. “Ele cumpriu a missão dele, foi uma homem bom e queria dá tudo para a família. Eu ainda tenho muito a fazer, inclusive ajudar e cuidar de nossas nestas, que são hoje minha maior felicidade. Angelina por exemplo é uma criaturinha divina”, conta.
Dona Luíza e Angelina
Tal postura e esperança de Dona Luíza veio à tona após dias de desespero e angústia, que foram acompanhados pela psicóloga da Empresa de Gestão de Recursos do Piauí, Dulce Neiva. Segundo a psicóloga, Dona Luíza apresentava inicialmente reações agressivas, seguidas de muita tristeza.
“Essa reação fez com que ela colocasse para fora a dor naquele momento inicial. Um dor que continua, mas não faz com ela, agora mais calma, deixe de ter vontade de seguir adiante”, comenta Dulce, acrescentando que “após uns vinte dias, já deu para perceber uma motivação maior, um semblante mais equilibrado e até um sorriso. Isso a gente pode contatar, porque a visitamos periodicamente”, avalia.
A família de Dona Luíza é uma das 500 que foram atingidas pela vazão das águas de Algodões, fato que gerou perdas e uma série de danos materiais, assim como psicológicos. Estas pessoas têm recebido acompanhamento e apoio. Além da disponibilização por parte do Governo do Estado, de nova casa, auxílio financeiro, abertura de crédito, entre outros, as famílias estão sendo acompanhadas por equipes de psicossocial.
Dona Luíza recebe psicóloga e assistente social
Esse trabalho vem sendo desenvolvido nas cidades de Cocal e Buriti dos Lopes por profissionais da Emgerpi, Secretaria de Assistência Social e Cidadania (Sasc) e respectivas prefeituras. Cinco psicólogos, assistentes sociais e um psiquiatra fazem o acompanhamento e apoio às vítimas, que perderam casa, móveis, bichos, plantação e, nos casos mais graves, parentes.
“Hoje a maioria das pessoas está numa situação ainda de choque, somatizando as perdas, o que acaba gerando uma série de doenças como labirintite, problemas estomacais, entre outros. Mediante a prescrição psiquiátrica, estamos entregando alguns remédios”, conta Dulce. “Aqueles momentos de agonia, dos barulhos das águas, a busca pela sobrevivência, estão latentes em cada uma das pessoas que foram atingidas pela tragédia. Esse é um momento de acompanhamento, cuidado e apoio. É exatamente o que nossa equipe está fazendo”, detalha.
A família de João Batista dos Santos é outro exemplo. Ex-morador da localidade Dom Bosco, a família, de 8 pessoas, reside agora numa casa de parentes em Cocal. “Perdemos nossa casa e quase tudo que tinha dentro. A gente ainda está sem acreditar. Graças a Deus estamos hoje, aqui, contando a história”, lembra. No último sábado, 20, recebeu mais vez a visita de uma assistente social e uma psicóloga. “A gente criou até uma amizade com elas. Quando a gente começa a conversar dá um alívio bom. Já disse para elas que as portas estão sempre abertas para quem quer ajudar e apoiar num momento difícil como esse”, destaca João Batista.
Visita à família de João Batista
Elisié Sousa, assistente social da Emgerpi, conta que todo o auxílio financeiro é de extrema importância, mas que o acompanhamento psíquico e social é imprescindível e deve ser contínuo. “Anterior ao rompimento estávamos próximas às famílias. Muitas criaram um vínculo e assim podemos ajudar e trabalhar de forma mais completa”, diz.
Atividade Ocupacional
Além do apoio psicossocial, vêm sendo realizadas atividades ocupacionais a fim de envolver as famílias; e que podem ainda gerar trabalho e renda. Maria do Carmo Pereira, que está no colégio Domingos Alves, que ainda abriga hoje 14 famílias, tem produzido tapetes com retalhos e outros materiais viabilizados pela equipe de assitentes sociais da Emgerpi e paróquia de Cocal.Os produtos serão vendidos por Maria do Carmo e outras mulheres em leilões. " Tô aprendendo a fazer esses tapetes, tomara que alguém compre. É bom que a gente faz alguma coisa diferente", comenta.
Dona Maria do Carmo
A equipe de psicologia analisa outros tipos de aptidões, habilidades e interesses por parte principalmente das mulheres, para assim desenvolver uma variedade maior de atividades ocupacionais. "Identificamos interesse pelo crochê, que já providenciamos; e alguns homens querem fazer horta, o que estamos providenciando", cpnta Dulce.
Para Fernanda Maria, psicóloga da Emgerpi que trabalha diretamente junto às famílias atingidas da cidade de Buriti dos Lopes, enfatiza que nesse momento a atitude mais adequada para lidar com essas pessoas é escutar e apoiar.
“Estão todos fragilizados, alguns bem traumatizados e arredios. Pessoas que já tinham problemas de depressão e outras doenças, que foram agravadas. Ao longo desse acompanhamento de estamos fazendo é que se ganha a confiança e aos poucos elas vão desabafando, o que de certa forma, melhora a angústia”, explica.
O Alto da Neusa: Um capítulo especial na história de Algodões I
“Na hora que ouvi no rádio que a barragem tinha rompido, eu e minha família corremos para cá”, conta Francisca Silva. O local ao qual Francisca se refere é a casa de Neusa Albuquerque. Há cerca de 15 anos,Neusa conta que teve um sonho no qual lhe orientavam a “alargar suas estruturas para receber a visita de um número grande de pessoas”. Pouco tempo depois ela construiria uma grande casa, com oito quartos, larga sala, cozinha com três fogões e alpendre espaçoso. Isso para morar somente com Valdenir Albuquerque, um dos cinco filhos.
A visita de tanta gente aconteceria dia 27 de maio, data do rompimento de Algodões I. No Alto da Neusa, como é conhecido, foram abrigadas mais 400 moradores da localidade Frecheira de São Pedro, que fica a 16 km de Cocal.“Alarguei as estruturas de meu lar e também as do coração e da alma, afinal aquelas pessoas iam precisar de um teto, mas também de cuidados”, analisa, lembrando que na primeira noite após o rompimento do reservatório algumas pessoas passaram mal e ela, que possui entre outros cursos técnicos, o de enfermagem, conseguiu “atender pessoas que desmaiaram, com pressão muita alta e outros problemas. Dava para ver da porteira aqui de casa toda aquela água descendo; um dilúvio. E as pessoas ficaram apavoradas com aquela visão e o barulho dos bichos e das árvores sendo levadas”.
Dona Neusa: grande casa, grande coração.
O local ainda acolhe 11 famílias, que também estão recebendo visitas das equipes de psicologia e assistência social da Emgerpi e Sasc. “Tanto as pessoas que foram acolhidas como a própria Neusa precisam de apoio especial. O que viram e ouviram causaram traumas imensos. A gente tem uma pequena noção através de alguns desenhos das crianças”, diz a psicóloga Dulce Neiva. “Dona Neusa é uma referência para estas pessoas e uma mulher de muita força. Ela está sendo e ainda será de grande importância na recuperação moral e psíquica de muita gente”, avalia.
por Michele Sales